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dez 05, 2017 editorial Opinião 0
Akim Rohula Neto*
Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar
(Cantares, de Antonio Machado)
A primeira vez que li o poema “Cantares” foi na faculdade. Ele fez muito sentido para mim naquela época, mas foi apenas quando fiz o Caminho de Santiago que ele realmente “entrou na minha pele”. A primeira vez que realizei a jornada de 850 km (existem guias que falam em 800, 900, 750) no norte da Espanha, aprendi logo nos primeiros dias o significado do poema.
Após ter feito um primeiro dia “muito bom”, resolvi competir comigo mesmo e fazer “mais” no dia seguinte. O resultado foi uma tendinite que me acompanhou ao longo de dez dias aproximadamente. Fazer o caminho é algo como a vida, planejamos, mas não sabemos exatamente se o plano sairá tal como previmos. Em geral, não sai.
“A carga se ajeita na estrada”. Essa frase é do meu pai. E ela começou a fazer muito sentido logo depois dessa tendinite. Tive que adaptar os planos, aprender a lidar com a dor e me curar, tudo enquanto caminhava. Parei por dois dias para repousar, afinal não seria possível continuar com o pé naquele estado.
A vida dá a prova e depois ensina a lição. Aprendi. Caminhar em um ritmo próprio, sem forçar, sem “ir além”, indo apenas onde eu precisava ir. Resultado, a partir disso comecei a sentir paz de verdade durante a caminhada. Refleti sobre minha vida, resolvi algo dentro de mim que precisava resolver e segui adiante.
Porém, seguir foi complicado, nem sempre a vida é fácil, queremos desistir. Assim, obviamente, este sentimento caiu sobre mim. Acordar todos os dias cedo, caminhar o dia todo sob sol, chuva não é fácil. Parei. Sentei em um café e declarei: se não encontrar novo sentido para isso, vou-me embora.
Qual o sentido? Ninguém me obrigou a fazer aquilo. Assim, depois de duas xícara de café e uma hora de reflexão, compreendi que a caminhada só fazia sentido ao caminhar. Recordar de Antonio Machado foi muito interessante. Até hoje me lembro que foi subindo uma montanha que entendi isso.
Não é no chegar ou na velocidade, mas sim na caminhada que está o “x” da questão. Acompanhar (ou descobrir) o seu ritmo, seja ele lento ou rápido. A caminhada não é para um lugar distante, mas sim, para dentro de nós mesmos. A dor que sentimos no caminho, nada mais é que uma metáfora da dor de existir. Assim como a alegria, a paz, a calma e o medo. Os passos são o que contam, não a trilha.
Anos mais tarde, fiz o Caminho de Santiago novamente. Desta vez com minha esposa. Novos planos, novamente o Caminho me ensinando. Ir à dois é diferente de ir sozinho. Fui acompanhar, “viver com” ela a jornada. Aprendi muito sobre o que é “estar com”. Nem sempre é o que desejamos que seja, mas ainda assim o é.
A vida, não está anotando nossos desejos para realizá-los caso de bom comportamento. Ela é o que é, tal como é. Crua, dura. Linda, maravilhosa. Para crescer, muitas vezes precisamos deixar morrer aquilo que acreditamos “ser o melhor”. Este é o sentido da evolução da alma (sem conotação religiosa). Porém, isso é difícil.
Tornar-se “nós” não é tarefa fácil. Deixar cair o orgulho daquilo que “sabemos que é o melhor” e abrir-se à algo novo é difícil. Nem sempre isso vem de forma clara e sempre aparece como uma afronta à nós. Uma afronta ao nosso “pequeno eu”, como aprendi a chamar isso.
Com os passos que damos podemos deixar algo para trás. Algo que talvez foi útil, mas que agora não é mais. Ter a coragem de fazer isso, sem se apegar ao passo dado é trilhar o caminho. Não importa quantos passos você deu, apenas o que está dando agora. Não se trata do lugar onde chegou, mas de onde está indo agora.
Isso tudo nada tem a ver com “ir além”, pois isso é uma imposição. “Ter que ir” não faz parte do caminhante. Apenas caminhar. E isso, significa, muitas vezes, parar e relaxar. Colocar os pés no rio e sentir a água fria. Por fim, me parece que o caminho não trata de te levar à algum lugar, mas sim do que você conseguiu abrir mão ao longo dele.
Ao abrir mão de quem éramos ao iniciar a jornada, abrimos caminho para um novo eu surgir. Mas caminhar, como eu já disse, não trata de onde chegamos. Assim sendo, o “novo eu” não é o fim do caminho, apenas um novo passo. Se não nos apegarmos ao “novo eu”, é possível abrir mão novamente quando for necessário e então poderemos, com mais firmeza de espírito, caminhar.
Se eu já consegui isso? Claro que não, mas sigo caminhando.
* Akim Rohula Neto, psicólogo curitibano
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